quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Harry Potter .. E a Pedra Filosofal ( Cap III )


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CAPÍTULO TRÊS -
As cartas de ninguém
A fuga da jibóia brasileira rendeu a
Harry o seu castigo mais longo. Na altura
em que lhe
permitiram
sair do armário, as
férias de verão já haviam começado e
Duda já quebrara a nova filmadora,
acidentara o aeromodelo e, na primeira vez
que andara na bicicleta de corrida,
derrubara a velha Sra. Figg quando ela.
atravessava a rua dos Alfeneiros de
muletas.
Harry ficou contente que as aulas tivessem acabado,
mas não conseguia escapar da turma de Duda, que
visitava a casa todo dia. Pedro, Dênis, Malcolm e
Górdon eram todos grandes e burros, mas como Duda
era o maior e o mais burro do bando, era o líder Os
demais ficavam bastante felizes de participar do
esporte favorito de Duda: perseguir Harry.
Por esta razão Harry passava a maior parte do tempo
possível fora de casa, perambulando e pensando no fim
das férias, no qual conseguia vislumbrar um raiozinho
de esperança. Quando setembro chegasse ele iria para a
escola secundária. e, pela primeira vez na vida, não
estaria em companhia de Duda. Duda tinha uma vaga
na antiga escola. de tio Válter, Smeltings. Pedro ia para
lá também- Harry por outro lado, ia para a escola
secundária local. Duda achava muita graça nisso.
- Eles metem a cabeça dos garotos no vaso sanitário
no primeiro dia de escola - contou ele a Harry -, quer ir
lá em cima praticar?
- Não, obrigado - respondeu Harry - O coitado do
vaso nunca recebeu. nada tão horrível quanto a sua
cabeça, é capaz de passar mal. - E correu. antes que
Duda conseguisse entender o que dissera.
Certo dia de julho, tia Petunia levou Duda a Londres
para comprar o uniforme da Smeltings e deixou Harry
com a Sta. Figg. A Sra. Figg não estava tão ruim
quanto de costume. Afinal, fraturara a perna porque
tropeçara em um dos gatos e não parecia gostar tanto
deles quanto antes. Deixou Harry assistir a televisão e
lhe deu um pedaço de bolo de chocolate que pelo
gosto parecia ter muitos ano.
Naquela noite, Duda desfilou para a família reunida
na sala de estar vestindo o uniforme novo da Smeltings.
Os alunos da Smeltings usavam casaca marromavermelhada,
calções cor de laranja e chapéus de palha.
Carregavam também bengalas nodosas, que usavam
para bater uns nos outros quando os professores não
estavam olhando. isto era considerado um bom
treinamento para o futuro.
Ao contemplar Duda nos calções laranja novos, tio
Válter disse com a voz embargada que aquele era o
momento de maior orgulho em sua vida. Tia Petúnia
rompeu em lágrimas e disse que não podia acreditar
que era o seu Dudinha, estava tão bonito e adulto.
Harry não confiou no que poderia dizer. Achou que
duas de suas costelas talvez já tivessem partido só com
o esforço para não rir.
Havia um cheiro horrível na cozinha na manhã
seguinte quando Harry entrou para o café da manhã.
Parecia vir de uma panela tina de metal dentro da pia.
Ele se aproximou para espiar. A tina aparentemente
estava cheia de trapos sujos que boiavam na água
cinzenta.
O que é isso? perguntou à tia Petúnia.. Os lábios
dela se contrairam como costumavam fazer quando ele
se atrevia a fazer uma pergunta.
O seu uniforme novo de escola - respondeu.
Harry espiou para dentro da tina outra vez.
- Ah - comentou -, eu não sabia que tinha que ser tão
molhado.
- Não seja idiota - retorquiu tia Petúnia com
rispidez. - Estou tingindo de cinza umas roupas velhas
de Duda para você. Vão ficar iguaizinhas às dos outros
quando eu terminar.
Harry tinha sérias dúvidas, mas achou melhor não
discutir. Sentou-se à mesa e tentou pensar na aparência
que teria no primeiro dia de aula como se estivesse
usando retalhos de pele de elefante velho,
provavelmente.
Duda e tio Válter entraram ambos com os narizes
franzidos por cansa do cheiro do novo uniforme de
Harry. Tio Válter abriu o jornal como sempre fazia e
Duda bateu na mesa com a bengala da Smeltings, que
ele carregava para todo lado.
Ouviram o clique da portinhola para cartas e o som
da correspondência caindo no capacho da porta.
Apanhe o correio, Duda - disse tio Válter por trás do
jornal.
- Mande o Harry apanhar.
- Apanhe o correio Harry.
- Mande o Duda apanhar.
- Cutuque ele com a bengala da Smeltings, .Duda.
Harry se esquivou da bengala da Smeltings e foi
apanhar o correio. Havia três coisas no capacho: um
postal da irmã do tio Válter, Guida, que estava
passando férias na ilha de Wihgt, um envelope pardo
que parecia uma conta e -uma
carta para Harry.
Harry apanhou-a e ficou olhando, o coração
vibrando como um elástico gigante- Ninguém, jamais,
em toda a sua vida, lhe escrevera.- Quem escreveriar?
Ele não tinha amigos, nem outros parentes - não era
sócio da biblioteca, de modo que jamais recebera
sequer os bilhetes grosseiros pedindo a devolução de
livros. Contudo, ali estava, uma carta, endereçada tão
claramente que não podia haver engano.
Sr. H Potter
O Armário sob a Escada
Rua dos Alfeneiros 4
Little Whinging
Surrey
O envelope era grosso e pesado, feito de
pergaminho amarelado e endereçado com tinta verdeesmeralda.
Não havia selo.
Quando virou o envelope, com a mão trêmula, Harry
viu um
lacre de cera púrpura com um brasão; um leão, uma
águia, um texugo e uma cobra circulando uma grande
letra "H".
-Anda depressa, moleque! - gritou tio Válter da
cozinha. fazendo o quê, procurando cartas-bombas? - E
riu da própria piada.
Harry voltou à cozinha, ainda de olhos fixos na
carta. Entregou a conta e o postal ao tio Válter, sentouse
e começou a abrir lentamente o envelope amarelo.
Tio Válter rasgou o envelope da conta, deu um
bufo de desdém e virou o postal.
está doente - informou à tia Petúnia. - Comeu um marisco
suspeito...
exclamou Duda de repente. - Pai, Harry recebeu uma
carta!
Harry ia desdobrar a carta, escrita no mesmo pergaminho que o
envelope, quando tio Válter arrancou-a de sua mão.
- É minha! - disse Harry, tentando recuperá-la.
-Quem iria escrever para você? - zombou tio
Válter, sacudindo a carta com uma das mãos
para desdobrá-la e percorrendo com o olhar.
Seu rosto passou de vermelho para verde mais
rápido que um sinal de tráfego. E não parou ai.
Segundos depois ficou branco-acinzentado,
cor de mingau de aveia velho.
- P-P-Petúnia! - ofegou.
Duda tentou agarrar a carta para lê-la, mas tio Válter
segurou-a no alto fora do seu alcance. Tia Petúnia
apanhou-a cheia de curiosidade leu a primeira linha.
Por um instante pareceu que ela
talvez fosse desmaiar. Levou as duas mãos à
garganta e produziu ruído de engasgo.
- Válter! Ah, meu Deus, Válter!
Eles se encararam parecendo ter esquecido que
Harry e Duda continuavam na cozinha. Duda não
estava acostumado a ser desprezado. Deu uma
bengalada forte na cabeça do pai.
- Quero ler esta carta - falou alto.
-Quero lê-la - disse Harry furioso -, porque é
minha..
- Saiam, os dois - ordenou com voz rouca tio Válter,
enfiando a carta no envelope.
Harry não se mexeu .
- QUERO MINHA CARTA! Gritou.
- Me deixa ver ! - exigiu Duda.
- Fora ! - berrou Tio Válter, e agarrando os dois
Harry e Duda pelo cangote atirou-os no corredor e
bateu a porta da cozinha. Harry e Duda na mesma hora
tiveram uma briga furiosa mas, silenciosa, para saber
quem ia escutar à fechadura; Duda ganhou, por isso
Harry, os óculos pendurados em uma orelha, deitou-se
de barriga no chão para escutar pela fresta entre a porta
e o chão.
- Válter - disse tia Petúnia com voz trêmula -, olhe
'so o endereço. Como é que eles poderiam saber onde
ele dorme? Você acha que estão vigiando a casa?
- Vigiando, espionando, talvez nos seguindo -
murmurou tio Válter enlouquecido.
Harry via os sapatos pretos lustrosos do tio Válter
andando para cá e para lá na cozinha.
- Não - disse ele decidido.- Não, vamos ignorá-la. Se
não receberem uma resposta... É, é o melhor... não
vamos fazer nada...
- Mas...
- Não vou ter um deles em casa, Petúnia! Nós não
juramos quando o recebemos que íamos acabar com
aquela bobagem perigosa?
Aquela noite, quanto voltou do trabalho, tio Válter
fez uma coisa que nunca fizera antes; visitou Harry no
armário.
- Cadê minha carta ? - perguntou Harry, no instante
em que tio Válter se espremeu pela porta. - Quem me
escreveu?
- Ninguém . Endereçaram a você por engano - disse
tio Válter secamente. - Queimei a carta.
-
Não
foi um engano - retrucou Harry com raiva, -
tinha o endereço do meu armário.
- CALADO! - gritou tio Válter e algumas aranhas
caíram do teto. Ele inspirou algumas vexes e então fez
força para produzir um sorriso que pareceu bem
penoso.
Hum, sim, Harry sobre este armário. Sua tia e eu
estivemos pensando...você realmente está ficando
grande demais para ele... achamos que seria bom se
você se mudasse para o segundo quarto de Duda.
- Por quê? - perguntou Harry.
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- Não faça perguntas - disse com rispidez o
tio. Leve essas coisas para cima agora. A casa
dos Dursley tinha quatro quartos: um para tio
Válter e tia Petúnia, um para hóspedes (em
geral a irmã de tio Válter, Guida), um onde
Duda dormia e um onde Duda guardava todos
os brinquedos e pertences que não cabiam no
primeiro quarto. Harry precisou de apenas
uma viagem para mudar tudo o que tinha do
armário para o quarto no andar de cima.
Sentou-se na cama e deu uma olhada à sua
volta. Quase tudo ali estava quebrado.
À
filmadora com apenas um mês de uso estava
jogada em cima de um pequeno tanque com
que certa vez Duda atropelara o cachorro do
vizinho; no canto estava o primeiro televisor
de Duda, no qual ele enfiara o pé quando seu
programa favorito fora cancelado; havia uma
grande gaiola de pássaros, antigamente
habitada por um. papagaio que Duda trocara
na escola por uma espingarda de ar de
verdade, e que estava guardada numa
prateleira com a ponta dobrada porque Duda
se sentara em cima dela. Outras prateleiras
estavam cheias de livros. Eram as únicas
coisas no quarto que pareciam nunca ter sido
tocadas.
Lá de babo veio o barulho de Duda gritando
com a mãe:
- Eu não quero ele lá...eu preciso
daquele quarto....mande ele sair:
Harry suspirou e se esticou na cama. Ontem ele teria
dado qualquer coisa para estar ali. Hoje, preferia estar
no seu armário
aquela carta do que ali encima sem ela. Na
manhã seguinte, no café, todos estavam muito
quietos. Duda estava em estado de choque.
Berrara, batera no pai com a bengala, vomitara
de propósito, dera pontapés na mãe e atirara
sua tartaruga pelo teto da estufa de plantas e
nem assim conseguira o quarto de volta. Harry
pensava no dia anterior àquela hora, desejando
com amargura que tivesse aberto a carta no
hall. Tio Válter e tia Petúnia. se entreolhavam,
ameaçadores.
Quando o correio chegou tio Válter; que parecia. estar
tentando ser agradável com Harry; fez Duda ir buscálo.
Eles o ouviram bater nas coisas do corredor com a
bengala da Smeltings. Então ele gritou:
- Chegou outra!- Sr. H. Potter; O Menor Quarto da
Casa- Rua dos Alfeneiros 4...
Com um grito sufocado tio Válter saltou da cadeira
e saiu
correndo
pelo corredor; Harry logo atrás dele-
Tio Válter teve que lutar e derrubar Duda no chão para
lhe tirar a carta, o que foi dificultado por .Harry que
agarrara
o
pescoço do tio Válter por trás. Depois. de
um minuto confuso de luta, em. que todos levaram
varias bengaladas, tio Válter se endireitou, ofegante..-
com a carta de Harry- apertada na mão.
-Vá para o seu armário, quero dizer, para o seu
quarto- chiou para Harry - Duda, saia, saia logo.
Harry deu voltas e mais voltas no novo quarto.
Alguém sabia que ele se mudara do armário e parecia
saber que ele não recebera a primeira carta- Isto
significava com certeza que ia tentar outra. vez? E
desta vez ele tomaria providências para que desse
certo. Tinha um plano.
O despertador consertado tocou às seis horas na
manhã seguinte. Harry desligou-o depressa e se vestiu
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em silêncio. Não podia acordar os Dursley Desceu as
escadas sorrateiro sem acender nenhuma luz.
Ia esperar pelo carteiro na esquina da Alfeneiros e
receber primero as cartas endereçadas ao numero
quatro. Seu coração batia com força quando atravessou
sem ruído o corredor escuro até a porta de entrada.
- A
!
AAAARRREE
Harry deu um salto no ar - pisara em alguma coisa
grande e mole no capacho - uma coisa viva!
As luzes se acenderam no primeiro andar e, para seu
horror, Harry percebeu que a coisa grande e mole tinha
a cara do tio Válter estava dormindo junto à porta de
entrada em um saco de dormir para impedir que Harry
fizesse exatamente. o que estava
tentando fazer. Gritou com Harry quase meia hora e
depois lhe disse para ir preparar uma xícara de chá -.
Harry foi para a cozinha, arrastando os pés, infeliz, e
quando conseguiu voltar o correio tinha sido entregue,
bem no colo de tio Válter. Harry viu três cartas
endereçadas em tinta verde.
- Quero... - começou, mas tio Válter estava rasgando
as cartas em pedacinhos bem diante dos seus olhos.
Tio Válter não foi trabalhar naquele dia. Ficou em
casa e pregou a portinhola para cartas.
- Entende - explicou à tia Petúnia por entre os lábios
cheios pregos, se eles não puderem
entregar
então
terão de desistir.
- Não tenho muita certeza de que isto vai dar certo,
Válter
- Ah, a cabeça dessa gente funciona de maneira
estranha, Petúnia eles não são como você e eu - disse
tio Válter tentando bater um prego com um pedaço de
bolo de frutas que tia Petúnia acabara de lhe trazer.
Na sexta-feira chegaram nada menos de doze cartas
para Harry. Como não passavam pela portinhola da
correspondência tinham
empurradas por baixo da porta, metidas pelos lados e
algumas até forçadas pela janelinha do banheiro no
térreo. Tio Válter ficou em casa de novo. Depois de
queimar todas as apanhou martelo e pregos e fechou
com tábuas as frestas das portas da frente e dos fundos,
de. modo que ninguém sair. Cantarolou "Pé ante pé no
campo de tulipas" enquanto trabalhava, e se assustava
com qualquer ruído.
No sábado as coisas começam a
fugir
ao seu controle -.
Vinte e quatro cartas acabaram entrando em casa,
enroladas e escondidas duas dúzias de ovos que o
leiteiro, muito confuso, entregara à tia Petúnia pela
janela da sala de estar Enquanto tio Válter dava
telefonemas furiosos para o correio e a leiteria
tentando encontrar alguém a quem se queixar, tia
Petúnia picava as cartas no processador de alimentos .
- Mas quem é que quer falar tanto assim com você?
- Duda perguntou espantado a Harry -.
Na manhã do dominngo, tio Válter sentou-se à mesa
do café parecendo cansado e um tanto doente, mas
feliz.
- Não tem correio aos domingos - lembrou a todos,
contente passando geléia nos jornais-, nada de cartas
idiotas hoje...
Alguma coisa desceu chiando pela chaminé do
fogão enquanto ele falava e bateu com força em sua
nuca. No instante seguinte, trinta ou quarenta cartas
saíram velozes da lareira como se fossem tiros. Os
Dursley se abaixaram, mas Harry deu um salto no ar
para apanhar uma...
- Fora! Fora!
Depois que tia Petúnia e Duda tinham corrido para fora
protegendo o rosto com os braços, tio Válter bateu a
porta. Eles podiam ouvir as cartas disparando para
dentro da cozinha, ricocheteando nas paredes e no
chão.
-Já chega - disse tio Válter, tentando falar com
calma mas, ao mesmo tempo, arrancando tufos de pêlos
dos bigodes.- Quero vocês aqui de volta em cinco
minutos prontos para sair. Vamos viajar. Ponham
apenas algumas roupas nas malas. Não quero
discussão!
Ele parecia tão perigoso com metade dos bigodes
arrancados
que ninguém se atreveu a discutir. Dez minutos depois
eles tinham
retirado as tábuas para passar nas portas e estavam no
carro, correndo em direção a estrada. Duda fungava no
banco traseiro; o pai tinha lhe dado um tapa na cabeça
por atrasá-los tentando empacotar a televisão, o vídeo e
o computador na mochila esportiva.
Eles viajaram no carro. E viajaram. Nem tia Petúnia
se atrevia a perguntar aonde iam. De vez em quando tio
Válter fazia uma curva fechada e seguia na direção
oposta por algum tempo.
- Para despistá-los... despistá-los - resmungava
sempre que fazia isso.
Não pararam para comer nem beber o dia inteiro.
Quando a noite caiu Duda estava uivando. Nunca tivera
um dia tão ruim na vida. Estava com fome, sentia falta
dos cinco programas de televisão que queria assistir e
nunca levara tanto tempo sem explodir um alienígena
no computador.
Tio Válter parou finalmente à porta de um hotel de
aspecto
sombrio na periferia de uma grande cidade. Duda e
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Harry dividiram um quarto com duas camas iguais e
lençóis úmidos que cheiravam a mofo. Duda roncou
mas Harry ficou acordado, sentado no peitoral da
janela, espiando as luzes dos carros que passavam
enquanto pensava...
Comeram cereal velho e torradas com tomates enlatados frios
no café da manhã do dia seguinte. Tinham acabado de comer
quando a proprietária do hotel aproximou-se da mesa.
Com licença, mas um dos senhores é o Sr. Harry Potter? É que eu
tenho umas cem dessas na recepção.
E ergueu uma carta para eles poderem ler o endereço em tm ta
verde:
Sr. H. Potter
Quarto 17
Railview Hotel
Cokewrth
Harry tentou pegar a carta mas tio Válter afastou sua mão. A
mulher ficou  olhando.
- Eu recebo as cartas - disse tio Válter, levantando-se depressa
e seguindo a mulher que se retirava do salão de refeições.
- Não seria melhor simplesmente irmos para casa,
querido? -tia Petúnia sugeriu timidamente horas depois,
mas tio Válter não parecia ouvi-la. Exatamente o que
andava procurando ninguém sabia. Ele os levou até o
meio de uma floresta, desceu do carro, espiou à volta,
sacudiu a cabeça, tornou a embarcar no carro e
partiram outra vez. A mesma coisa aconteceu no meio
de um campo arado, no meio de uma ponte pênsil e no
alto de um edifício garagem.
- Papai enlouqueceu, não foi? -Duda perguntou, cansado, à tia
Petúnia no fim daquela tarde. Tio Válter estacionara no litoral,
passara a chave no carro com todos dentro e desaparecera.
Começou a chover. Grandes gotas batiam no teto do carro. Duda choramingou .
-É segunda-feira -falou à mãe. O Grande Humberto
vai se apresentar hoje à noite. Quero estar em algum
lugar que tenha televisão.
Segunda-feira. Isto lembrou a Harry uma coisa. Se era
segunda-feira - e em geral podia-se confiar que Duda soubesse os
dias da semana, por causa da televisão - então o dia seguinte,
terça-feira, era o décimo primeiro aniversário de Harry.
Naturalmente seus aniversários não eram lá muito divertidos - no
ano an terior, os Dursley tinham-lhe dado
um
cabide e um par de
meias velhas do tio Válter. Ainda assim, não se fazia onze anos
todos os dias.
Tio Válter voltou sorrindo. Carregava um pacote comprido e
fino e não respondeu à tia Petúnia quando ela perguntou o que
comprara.
- Encontrei o lugar perfeito! -falou. -Vamos! Saiam todos!
Fazia muito frio do lado de fora do carro. Tio Válter apontou para
o que parecia ser um grande rochedo no meio do mar.
Encarrapitado no alto do rochedo havia o casebre mais miserável
que se pode imaginar. Uma coisa era certa, ali não havia televisão.
- Estão anunciando uma tempestade para hoje! - disse tio
Válter alegre, batendo palmas. - E este senhor teve a bondade de
concordar em nos emprestar seu barco!
Um homem desdentado vinha descansadamente em direção a eles,
e apontava com um sorriso muito maldoso para um barco a remos
velho que subia e descia nas águas cinza-grafite lá embaixo.
-Já comprei algumas rações para nós - disse tio Válter -
,portanto, todos a bordo!
Fazia muito frio no barco. Salpicos de água gelada do mar
escorriam. pelos pescoços deles e um vento cortante fustigava seus
rostos. Depois do que pareceram horas eles chegaram ao rochedo,
onde tio Válter, escorregando, levou-os ate a casa em ruínas.
O interior era horrível; cheirava a algas marinhas, o vento
assobiava pelas frestas nas paredes de tábuas e a lareira estava
úmida e vazia. Havia apenas dois quartos.
Afinal as rações de Tio Válter eram uma embalagem de cereal
para cada um e quatro bananas. Ele tentou acender a lareira mas a
embalagem de cereal apenas fumegou e carbonizou.
-Aquelas cartas viriam a calhar agora, heim? disse ele
animado.
Estava de muito bom humor. Obviamente achava que ninguém
teria chance de alcançá-lo ali, durante uma tempestade, para
entregar cartas. Harry concordava intimamente, embora este
pensamento não o animasse nem um pouco.
Quando a noite caiu, a tempestade prometida desabou ao redor
deles. A espuma das altas ondas chapinhava nas paredes do
casebre e um vento ameaçador sacudia as janelas imundas. Tia
Petúnia encontrou uns cobertores mofados no segundo quarto e
preparou uma cama para Duda ao sofá comido pelas traças. Ela e
tio Válter foram se deitar na cama cheia de calombos ao lado e
deixaram Harry. procurar a parte mais macia do assoalho e se
enrolar no cobertor mais rasgado e ralo.
A tempestade rugia cada vez com maior ferocidade à medida
que a noite avançava. Harry não conseguia dormir. Tremia e
revirava, tentando encontrar uma posição confortável seu
estômago roncando de fome. Os roncos de Duda eram abafados
pela trovoada que começou por volta da meia-noite. O mostrador
luminoso do relógio de Duda, que estava pendurado para fora do
sofá em seu pulso gordo, informava a Harry que dentro de dez
minutos ele completaria onze anos. Deitado, ele viu seu
aniversário se aproximar, perguntando-se se. os Dursley se
lembrariam, perguntando-se onde estaria o remetente das cartas
agora.
Faltavam cinco minutos. Harry ouviu alguma coisa estalar lá
fora. Desejou que o teto não caísse, embora quem sabe
conseguisse se esquentar se isto acontecesse. Quatro minutos.
Talvez a casa na rua dos Alfeneiros estivesse tão abarrotada de
cartas que quando voltassem ele pudesse surrupiar uma.
Três minutos. Seria o mar batendo tão forte na
rocha? E faltavam dois minutos que barulho esquisito
de trituração era aquela? Será que a rocha estava se
desintegrando no mar?
Mais um minuto e ele completaria onze anos. Trinta
segundos...vinte... dez - nove - talvez acordasse Duda,
só para aborrecê-lo - três - dois - um...
O casebre todo estremeceu e Harry sentou-se reto, arregalando
os olhos para a porta. Havia alguém lá fora, que batia querendo
entrar.

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